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Precatório: o que é, como funciona e principais mudanças da PEC

Precatório - advogado

O que é precatório?

Todas as pessoas devem obedecer às decisões judiciais, o que inclui não somente os cidadãos, mas todos os entes estatais (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). 

Logo, se uma sentença determina o pagamento de uma indenização em um processo, é obrigatório o seu cumprimento.

Mas será que o pagamento por parte da Fazenda Pública ocorre da mesma forma que efetuado por um cidadão comum ou por uma empresa?

Quando pensamos na estrutura estatal, imediatamente surge a imagem de diversos órgãos, receitas tributárias, gastos, enfim, toda a complexidade que envolve o seu orçamento. Por isso, quando o Estado paga uma dívida, deve existir uma organização, uma ordem, pois se trata de dinheiro público.

Diz-se no direito que ao particular é permitido tudo o que não é proibido, sendo que para o Estado só é permitido o que é previsto em lei. É que todo ato estatal deve respeitar princípios como a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência, art. 37 da Constituição Federal

Por isso, até para o pagamento de uma dívida judicialmente legitimada, exige-se um procedimento específico, sendo que, no Brasil, é denominado Precatório.

Resumindo, pode-se dizer que precatório é um instrumento utilizado para exigir uma dívida reconhecida judicialmente em relação ao Poder Público. Mas, é importante ressaltar que a condenação estabelecida pelo Judiciário deve ocorrer de forma definitiva, ou seja, quando não é mais possível a utilização de recursos que permitam a rediscussão do direito.

Também é necessário destacar que não é em toda situação que o precatório será utilizado. Existe outra forma de receber o dinheiro frente à condenação judicial definitiva da Fazenda Pública, a depender do valor da dívida. Pode ser que seja o caso da Requisição de Pequeno Valor (RPV).

A RPV é cabível quando a condenação é considerada de pequeno valor, sendo que esse limite varia de acordo com o ente federativo.  É que a Constituição Federal no seu art. 100, §4º abriu essa possibilidade quando determina que podem ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas. Mas, a Lei Maior também exige que o valor mínimo seja igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social.

Em relação à União, por exemplo, o valor estipulado como o de pequeno valor é de até 60 salários mínimos.

Destaca-se que, apesar de se tratar de montantes devidos em relação à condenação judicial definitiva, o procedimento da Requisição de Pequeno Valor é mais rápido.

Precatório: Federal X Estadual

O Brasil adotou o modelo federativo, isso significa que, embora o vínculo entre União, Estados e Municípios não possa ser dissolvido, cada ente possui autonomia e competências próprias determinadas pela Constituição. Isso vale não somente para a arrecadação de dinheiro, como também para o pagamento de dívidas estabelecidas judicialmente.

Por isso, o regramento dos precatórios possui distinções a depender do ente devedor, uma vez que o modo e o prazo do pagamento, bem como o órgão com a atribuição de emitir os documentos pertinentes sofrerão variação.

A primeira diferença, quase intuitiva, é relacionada ao ente devedor. Se for uma dívida (reconhecida judicialmente) de um Estado, será o precatório estadual, se a dívida (reconhecida judicialmente) for atinente à União, será o Precatório Federal, sendo que o mesmo raciocínio pode ser aplicado para os Municípios.

Em relação ao órgão responsável pela exigência do pagamento pelo Poder Público, em se tratando de União e Estados, será o Tribunal competente, já no que concerne aos municípios, serão as unidades judiciárias respectivas.

Outra diferença que pode ser notada na prática é sobre a liquidez, ou seja, a disponibilidade de verba para o pagamento dos precatórios. O que se verifica comumente é que a União possui uma regularidade maior no embolso dos precatórios, já o mesmo não pode ser dito em relação a alguns Estados.

Devido às dificuldades com questões de caixa e com o objetivo de evitar a caracterização do crime de responsabilização fiscal, alguns entes aderem a regimes especiais que permitem o parcelamento de precatórios, o que pode dificultar o recebimento por parte do credor.

Como funciona o precatório?

Imagine um caso em que existiu a condenação de um ente federativo a uma indenização e que não caiba mais recurso. Qual será o próximo passo? O cumprimento da decisão judicial.

Depois de transitada em julgada a decisão judicial condenatória, o juiz responsável pela execução envia uma requisição de expedição de precatório para o presidente do Tribunal respectivo, que realizará a sua emissão em nome do beneficiado pela decisão.  Respeitada a ordem cronológica nos termos da Constituição Federal, ocorre a disponibilização dos valores.

Ressalta-se que, o período para o pagamento dependerá, entre outros fatores, do prazo de apresentação do precatório pelo seu titular e que os créditos alimentares possuem prioridade em relação aos créditos considerados comuns.

Tipos de precatório

Os precatórios podem ser divididos basicamente em duas espécies: alimentares e comuns. 

Alimentares são os precatórios que dizem respeito à subsistência do indivíduo. Citem-se como exemplos os benefícios previdenciários tais como pensão por morte, aposentadoria por invalidez etc.

No caso dos precatórios alimentares, eles atendem a uma ordem cronológica preferencial. Ou seja, devem ter o seu pagamento priorizado, pois se tratam de valores que estão conectados com a necessidade de sobrevivência do indivíduo.

Já os precatórios comuns são os que decorrem de outras situações que não envolvem a subsistência.  Cite-se o caso de uma cobrança indevida de imposto, ou valores referentes a desapropriação, por exemplo.

Quem pode receber o precatório?

Toda pessoa, física ou jurídica que tenha sido beneficiada por uma decisão judicial transitada em julgado contra o Poder Público pode receber o precatório. Ressaltando que, dependendo do valor, que é delimitado por regras de cada ente dentro dos parâmetros legais, poderá ser o caso de recebimento de Requisição de pequeno valor e não de precatório.  

Como funciona o pagamento do precatório?

O precatório é pago de acordo com a sua ordem cronológica, ou seja, a sua data de inscrição, art. 100 da Constituição Federal.

Mas, alguns precatórios possuem prioridade de pagamento, como é o caso dos precatórios alimentares (salários, aposentadorias, pensões etc), dos valores destinados a idosos que possuam mais de 60 (sessenta) anos na data da inscrição e dos precatórios de portadores de doenças graves.  

Os saques podem ser efetuados pelo próprio beneficiário depois da sua solicitação ou em alguns casos, pode depender de alvará judicial.

Quais são os prazos para o pagamento do precatório?

Os prazos para pagamento do precatório podem sofrer alteração dependendo da natureza do ente devedor ou do momento da sua apresentação. 

Mas, em linhas gerais, no caso da União, antes da alteração efetuada pela Emenda Constitucional n° 114, as solicitações efetuadas até o dia 1º de julho de cada ano, eram abarcadas pelo orçamento do ano seguinte.

Em relação aos Estados e Municípios, esse prazo costuma sofrer alteração de acordo com as peculiaridades regionais e locais, bem como a adesão a regimes especiais de parcelamento de precatórios.

PEC dos Precatórios

O precatório é regido pela Constituição Federal, em seu art. 100, isso significa que não é qualquer lei que pode alterar a essência do seu tratamento. A única forma de modificação legislativa é mediante a Proposta de Emenda Constitucional e, ainda assim, deve respeitar alguns limites como as cláusulas pétreas. 

Essas cláusulas nada mais são que valores inalteráveis no texto constitucional, a saber: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais.

Além disso, outras exigências procedimentais devem ser atendidas tais como dois turnos de votação em ambas as casas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), a aprovação de pelo menos 3/5 por parte dos deputados e senadores. Isso significa que, para que uma Proposta de Emenda Constitucional seja aprovada é necessário que pelo menos 308 deputados e 49 senadores decidam pela sua promulgação.

No dia 8 de dezembro, foi promulgada a Emenda Constitucional n° 113/2021, sendo a sua publicação efetuada em 09-12-2021. Essa emenda estabeleceu um novo regime de pagamentos de precatórios, modificou normas relativas ao regime fiscal e possibilitou a autorização de parcelamentos de débitos previdenciários dos municípios. 

Mas, o que isso significa?

Existem algumas modificações significativas que devem ser evidenciadas e a primeira delas diz respeito aos credores de precatórios que também possuem dívidas com a fazenda pública. O §9º do art. 100 da Constituição Federal passou a dispor que “[…] o valor correspondente aos eventuais débitos inscritos em dívida ativa contra o credor do requisitório e seus substituídos deverá ser depositado à conta do juízo responsável pela ação de cobrança, que decidirá pelo seu destino definitivo“.

Isso significa que, se o detentor do título deve um determinado imposto, por exemplo, o valor do precatório será depositado junto à ação de cobrança em relação ao imposto cobrado, cabendo ao juiz do processo respectivo decidir sobre a destinação do dinheiro.  

Antes o valor era depositado na conta relativa ao processo que resultou no precatório, atualmente, se o autor do processo de indenização tiver uma dívida com o Estado, o valor do precatório será depositado junto à conta vinculada à ação de cobrança movida pelo Estado. Logo, passou a existir um obstáculo considerável em relação ao recebimento de precatórios para os devedores de Dívida Ativa.

Outro destaque que merece ser evidenciado é sobre a alteração em relação às atualizações  e juros que incidem nas correções relacionadas à Fazenda Pública. A partir da publicação dessa emenda (09/12/2021), tanto os processos em curso que envolva a fazenda, como nos casos em que já existe condenação, independentemente da sua natureza e nos precatórios, o índice que será aplicado para efeitos de atualização, juros e correção monetária será a taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), acumulada mensalmente.

Outra novidade é a viabilidade de utilização de precatórios, próprios ou de terceiros, como instrumento de compensação de dívidas em relação ao ente público, quando é o mesmo que são credor e devedor de valores. Por exemplo, o vencedor de um processo contra o ente público que recebe um precatório e ao mesmo tempo deve um imposto de renda, pode utilizar o título para quitar a dívida.

Outras negociações com os entes públicos também serão possíveis com os precatórios, §11 do artigo 100 da CF, tais como, quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente federativo devedor; compra de imóveis públicos de propriedade do mesmo ente disponibilizados para venda;  pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pelo mesmo ente; aquisição, inclusive minoritária, de participação societária; compra de direitos, disponibilizados para cessão, do respectivo ente federativo, inclusive, no caso da União, da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo.

A Emenda Constitucional n° 113 também trouxe os arts. 115 e 116 nos atos e disposições transitórias da Constituição possibilitando o parcelamento dos precatórios em relação aos municípios em até duzentos e quarenta vezes, atendidos os requisitos legais, o que pode tornar ainda mais dificultoso o recebimento do precatório.

Outro ponto da Emenda Constitucional que impactou o regime de precatórios é a Emenda Constitucional n° 114. A mudança é significativa, pois existiu uma alteração na ordem de prioridade de pagamento dos precatórios.  

De acordo com a Emenda, fixa-se a seguinte ordem de pagamento: I – obrigações definidas em lei como de pequeno valor; II- precatórios de natureza alimentícia cujos titulares originários ou por sucessão hereditária, tenham no mínimo 60 (sessenta) anos de idade, ou portadores de doença grave ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, até o valor equivalente ao triplo do montante fixado em lei como obrigação de pequeno valor; III – demais precatórios de natureza alimentícia até o valor equivalente ao triplo do montante fixado em lei como obrigação de pequeno valor; IV – demais precatórios de natureza alimentícia além do valor previsto no inciso III deste parágrafo; V – precatórios comuns.

Essa emenda também traz uma possibilidade de acordo com deságio, que nada mais é do que a possibilidade, diante do não recebimento do precatório de escolher receber os valores em um percentual menor. Agora, é possível, mediante acordos diretos perante Juízos Auxiliares de Conciliação de Pagamento de Condenações Judiciais contra a Fazenda Pública Federal, receber o precatório em parcela única, até o final do exercício seguinte, desde que exista a renúncia de 40% (quarenta por cento) do valor desse crédito.

Outra modificação considerável, foi a alteração do prazo para a apresentação de precatórios. Antes o prazo de apresentação para a inclusão dos valores dos precatórios no orçamento no âmbito Federal, era de até 1º de julho. Com a Emenda 114, essa data passou a ser até 2 (dois) de abril.

Mas qual o impacto dessa mudança? Se antes, ao apresentar um precatório até o dia 1º de julho, o recebimento se dava no exercício seguinte, agora, se ultrapassado o dia 2 de abril (prazo menor para a apresentação dos precatórios) o credor levará  ainda mais tempo para receber.

Para facilitar, segue uma exemplificação: se o beneficiário apresentasse, antes da vigência da emenda, um precatório até o dia 1º de julho de 2022, receberia, provavelmente até 31/12/2023. Agora, com a vigência da Emenda, caso o credor apresente o precatório depois do dia dois de abril, poderá receber até 31/12/2024.

Mesmo sem exaurir a exposição de todas as modificações causadas pelas recentes alterações constitucionais, é possível concluir que essas mudanças possuem amplos reflexos em relação aos beneficiários de precatórios.

Mas, as modificações não cessam com a alteração legislativa, pois essas inovações ainda serão submetidas à análise do Supremo Tribunal Federal, a quem cabe a verificação da compatibilidade dessas alterações em relação ao texto da Constituição.

Isso significa que a interpretação jurisprudencial ainda poderá proporcionar novos capítulos sobre o tema dos precatórios, impactando novamente os beneficiários de precatórios. 

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